História de Ramos

 

A Parada do Ramos.

 

Em 1968, um trem partiu da Estação Barão de Mauá e chegou a Ramos.

 

Mas não era um trem moderno.  Era uma máquina 59, uma locomotiva de madeira movida a carvão e  construída no ano da fundação da Estrada de Ferro do Norte, em 1866.

 

Foi chamado de "Trem da Saudade", pois trazia de volta as lembranças do dia em que a primeira  'maria-fumaça' chegou a esta estação.

 

Nesse dia, os moradores de Ramos comemoraram com muita festa o centenário do bairro.

 

No final do século XIX, era a Estrada de Ferro do Norte, futura Leopoldina Railway, ou simplesmente  Leopoldina, que fazia a ligação entre o centro da cidade e a raiz da serra de Petrópolis, onde então se encontrava com a Estrada de Ferro Grão-Pará.

 

Da estação inicial, em São Francisco Xavier, o trem seguia até Meriti, atual Duque de Caxias.

 

No começo havia apenas duas viagens: uma pela manhã e outra à tarde e poucas eram as paradas no  caminho, porém logo novas paradas foram surgindo em terrenos cedidos por antigas famílias da  região percorrida pelo trem.  Aos poucos, ali  também apareciam pequenos bairros como Ramos, Olaria  e Penha.

 

A área onde hoje estão esses bairros pertencia a duas sesmarias registradas na época do governador da colônia, Estácio de Sá:  a de Inhaúma, doada ao fidalgo português Antônio da Costa, capitão da frota  do Governo e a de Irajá, sendo donatário Antônio de França. 

 

Eram terras virgens, à beira-mar, boas para a lavoura e a pesca e anteriormente ocupadas pelos índios  tamoios, aliados dos franceses invasores.  Vários engenhos estabeleceram-se ali, alguns famosos, como  a Fazenda do Engenho da Pedra, depois chamada de Nossa Senhora do Bonsucesso.  

 

Essa fazenda pertencia às sesmarias de Inhaúma e estendia-se por toda a área dos atuais bairros de  Manguinhos, Bonsucesso, Ramos e Penha.

 

Grande parte dessas terras foram adquiridas, mais tarde, por volta de 1620, pela família Souto Mayor.

 

Outra importante fazenda que ocupara o local da atual Leopoldina foi a de Nossa Senhora da Ajuda,  pertencente à sesmarias de Irajá e propriedade do capitão Baltazar de Abreu, em cujas terras viria a  ocorrer o milagre da Penha, que trouxe tanta fama ao lugar.

 

Essa Fazenda, também conhecida como Fazenda Grande da Penha, fazia divisa com a Fazenda do  Engenho da Pedra.

 

Uma pequena parte do que foi a antiga Fazenda Grande é hoje a Fazendinha de Penha, uma área verde às margens da Avenida Brasil.  Ali funcionou um engenho de açúcar, e, também, ao lado, a Fazenda da Santa Casa da Misericórdia, em terras doadas pelo capitão Baltazar à Santa Casa.

 

Lembrando esses fatos, até hoje as montanhas entre a Penha e Inhaúma são chamadas de Serra da  Misericórdia, como um 'registro' das antigas atividades do lugar.

 

Até a chegada do trem, essa região comunicava-se de modo bastante irregular com o centro da cidade,  fosse através o litoral ou de antigas estradas abertas desde o tempos coloniais Dos caminhos e picadas  que surgiam ainda no século XVII, foram pioneiras a Estrada Velha do Engenho da Pedra - hoje  simplesmente Estrada do Engenho da Pedra -, e a Estrada Nova do Engenho da Pedra, cortada agora  pela Rua Teixeira de Castro, assim denominada em homenagem ao médico e benfeitor de Bonsucesso.

 

Havia também outros caminhos como o de Mariangu.  Por meio deles, a fazenda comunicava-se com o  Arraial da Penha e com o litoral, onde chegava ao lendário Cais da Pedra, referência à enorme pedra  que ficava junto ao litoral e até hoje pode ser vista na praia de Ramos.  Comunicava-se também com o  porto de Mariangu, cujo nome inspirou-se na ave que habitava a região. 

 

Deste porto partiam embarcações para o centro do Rio de Janeiro colonial, permitindo o escoamento do  açúcar, aguardente, frutas e hortaliças e tudo o mais que fosse produzido nessas propriedades rurais.

 

Com o passar do tempo, as terras foram mudando de dono, o cultivo da cana-de-açúcar foi substituído  pelo plantio do café, mas essas freguesias rurais - Irajá, criada em 1644 e desmembrada em 1743, dando origem  a freguesia de Inhaúma - continuavam abastecendo as áreas urbanas da cidade com a sua  produção de alimentos.

 

Em meados do século XIX, a Fazenda Nossa Senhora do Bonsucesso chegara às mãos de Dona  Leonor Mascarenhas de Oliveira, que, solteira, deixou treze lotes em testamento, a serem divididos entre  parentes e amigos.

 

Ao seu filho de criação, padre David Semeão de Oliveira, "preto, criado e educado pela testamenteira",  coube a casa, a capela de Santo Antônio de Lisboa e a fábrica de aguardente da fazenda do Engenho da Pedra.

 

O doutor João Torquato de Oliveira, formado em medicina, filho da escava Delfina, criado e educado  pela testamenteira herdou a casa da Fazenda de Nossa Senhora do Bonsucesso, região que hoje forma  o coração de Ramos e Bonsucesso

 

Os outros onze herdeiros receberam braças de terras situadas entre o Engenho da Pedra e o Porto de  Mariangu.

 

Eram sítios da Fazenda de Nossa Senhora do Bonsucesso, do Engenho da Pedra, da Lagoa e das  Cruzes, estes no Engenho da Pedra.  Os lotes incluíram também a casa de Mariangu.

 

Por fim. em 1870, a viúva do herdeiro João Torquato, a irlandesa Francisca Haydem, vendeu algumas  terras ao capitão Luiz José Fonseca Ramos, secretário da Academia Militar da Corte.

 

Nessas terras estava o Sítio dos Bambus e foi ali, durante o reinado de Dom Pedro II, que Ramos  começou a sua história.

O bairro nasceu da iniciativa dos descendentes dos velho capitão Ramos no ano de 1886, quando os  trilhos da Estrada de Ferro do Norte, futura Leopoldina, alcançaram as terras da fazenda do capitão.

 

Por meio de um acordo com a companhia, os proprietários cederiam terras para a passagem dos  trilhos, com a exigência de que a ferrovia construísse ali uma parada para a família.

 

Foi assim que surgiu a Parada do Ramos.

 

Pouco depois, o sítio dos Bambus foi vendido para o português Teixeira Ribeiro, casado com a filha do  médico João Torquato, herdeiro da antiga fazenda, que possuía terras logo ao lado.

 

Ele e seu filho, João Teixeira Ribeiro Júnior lotearam as terras e abriram ruas de chão batido, sem  calçamento, iluminação ou esgoto, mas que foram os marcos iniciais da urbanização do local.

 

O bairro, naturalmente, adotou o nome da sua primeira parada do trem.

 

Surgem então as primeiras ruas de Ramos:  as atuais Uranos, Professor Lacê, Aureliano Lessa, Euclides Farias, Roberto Silva e Teixeira Franco.  E nelas os primeiros casarões, onde moravam famílias  abastadas, ao lado de pequenas chácaras.

 

Surge também a primeira escola, Paraguai, hoje chamada de Padre Manoel da Nóbrega.

 

Outro personagem importante na história da urbanização de Ramos foi João José Batista, conhecido  como o "Andorinha", caixeiro viajante da fábrica de Tecidos Andorinhas. 

 

Sua atividade comercial  permitiu-lhe acumular fortuna, aplicada na compra de terrenos no bairro nascente, à época ainda uma  área bastante rural.

 

Batista construiu a primeira mansão de Ramos, local onde hoje está situado o prédio do SESC Ramos.

 

Na sua casa costumava reunir os moradores em saraus e reuniões kardecistas, sempre com  grande  público.

 

Em todas as moradas que construiu, algumas ainda existentes, João José Batista deixava uma bonita  marca:  fachadas sempre adornadas com duas andorinhas.

 

Por volta de 1910, alguns terrenos virgens, parte de antigos sítios do padre Semeão, chegaram às mãos  do coronel Joaquim Vieira Ferreira, membro de ilustre família de médicos, advogados e militares.

 

Ele participou ativamente da vida local e fundou o periódico 'O Cosmopolita', o primeiro jornal da  região, que circulou entre 1912 e 1917.

 

Nas terras que adquiriu, o coronel criou a Vila Gérson, nome que homenageia se primogênito,  sargento-telegrafista, falecido ainda muito jovem.

 

A vila era um lote de 200 mil m2, onde oito ruas foram abertas.

 

Ali, com sua esposa, Ruth Ferreira, cujo nome é lembrado numa das ruas do bairro, fundou, em 1911 a  Escola Gérson.

 

Além do curso primário, a escola oferecia cursos para formação de tipógrafos, marceneiros e  carpinteiros, atendendo as crianças pobres da área da antiga fazenda.

 

O Almanaque Suburbano, de 1941 assim reportava as qualidades do local:  "em 1931 a Vila Gérson era  um dos melhores bairros residenciais do Rio por excelência, dispondo de magnífica praia de banhos(...)

 

Presentemente a Vila Gérson tem 160 prédios, inclusive sobrados (...) toda construção sólida,  moderna, elegante, conforme as exigências da lei municipal.  Comércio próprio, constituído por  confeitaria, padaria, vários armazéns, papelaria, armarinhos de fazendas, bar (...)"

 

A praia de banhos era a Praia de Ramos, conhecida também pelos antigos nomes de Praia do Apicú,  que em tupi-guarani significa brejo de água salgada, e Mariangu, nome indígena da ave abundante na  orla marítima.

 

O coronel tinha projetos para urbanizar também os terrenos junto à orla, criando uma avenida  paralela à praia, o que traria a Ramos o apelido de "Copacabana do Subúrbio".

 

Com o apoio do prefeito Henrique Dodsworth, a praia chegou a ter balneário com cabines e aluguel de trajes de banho e até um projeto pra a construção de um cassino.

O coronel, sempre elegante, caminhava ali todos os dias, no seu passeio matinal.

 

Mas seus planos não seguiram adiante.  Poucos anos depois, alegando que a área pertencia à  marinha - as terras estariam na faixa de preamar definida em 1831 -, a prefeitura rejeitou o projeto, a  área tornou-se pública e nada foi realizado.

 

Abandonada, transformou-se em local de banhos pouco salubres.  Pouco a pouco, uma ocupação  desordenada surgiu ao redor da praia, dando lugar aos primeiros barracos.

 

A Praia de Ramos, única da região da Leopoldina, com seus cajueiros, caçadas aos caranguejos, e  banho de lamas medicinais hoje sobrevive apenas na memória de quem um dia conheceu a  "Copacabana dos Subúrbios".

 

Já no século XX, Ramos foi um dos redutos da elite da chamada Zona da Leopoldina.

 

O Social Ramos Clube era freqüentado por moradores ilustres e os convites para os seus salões eram disputados.

 

Entre as agremiações carnavalescas do bairro, as mais famosas são o Cacique de Ramos, fundado em 1961 e a escola de samba Imperatriz, oito vezes campeã no carnaval carioca.

 

Grandes nomes da música brasileira ligam-se ao bairro como os dos compositores Pixinguinha, Villa-Lobos e, mais recentemente, Zeca Pagodinho e Almir Guineto.

 

Pixinguinha compôs o Hino de Ramos em 1965, para os festejos de 80 anos do bairro.

 

Villa-Lobos tornou-se assíduo frequentador ao conhecer a sua futura esposa durante uma visita a um amigo, músico, morador do bairro. Veio a ser, inclusive, um dos fundadores do bloco carnavalesco Recreio de Ramos.

 

Zeca Pagodinho e Almir Guineto ligam-se ao nome do Cacique de Ramos, que também é o berço de grupos como o Fundo de Quintal.

 

 

Ramos - Hoje:

 

O bairro apresenta problemas comuns aos de outros bairros, como as favelas e a violência, mas ainda assim é um bairro bom de se morar.

 

Possui uma tradicional vizinhança capaz de contar histórias da época em que os morros eram propriedades privadas.

 

Cortado pela linha férrea, o bairro possui uma praia eternizada no samba de Dicró Praia de Ramos.

 

Até a década de 70, início de 80, ainda era utilizada pelos banhistas usuais, sendo a partir de então impraticável o uso, devido à péssima qualidade da água.

 

Em 15 de Dezembro de 2001, durante o governo Garotinho, inaugurou-se nesta mesma praia o Piscinão de Ramos.

 

 

♣  Ramos - Curiosidade

 

- Marco Inaugural da Antiga estrada Rio - Petrópolis.

 

O qual fica no km 3 da rua Uranos, quase em frente à Rua Senador Mourão Vieira.

 

As ruas da Leopoldina eram caminhos obrigatório para quem ia a Petrópolis.

 

Com a abertura da Avenida Brasil, em 1946, a Rua Uranos deixou de ser parte do   
trajeto para subir a serra.

 


Ramos - Lazer

 

Não se restringia somente a ida ao balneário.

 

Desde as primeiras décadas do século passado, o bairro contava com uma agitada e diversificada vida cultural.

 

O primeiro cinema da Leopoldina - e um dos primeiros do Rio de Janeiro - ficava em Ramos: era o Cinematógrafo Ideal, na Rua Uranos, inaugurado em 1914.

 

O Cine Ramos, que primeiramente se chamou de Cine Rosário, foi outro marco do bairro construído em 1938 em estilo ar decó. O prédio foi tombado por decreto municipal em 1997.

 

Ramos também tinha seus teatros elegantes, e o primeiro surgiu em 1916 com a família Bassob, e ficava na Rua Barreiros.

 

E com os cinemas e teatros, vieram outros sinais de progresso: em 1911, a água potável, no ano seguinte, a iluminação pública - a primeira do subúrbio - e nos anos 1920, a luz elétrica, com lâmpadas de 60 velas, nas atuais ruas Uranos e Cardoso de Morais.

 

Essa é uma breve história deste bairro.